Qual o papel dos algoritmos na vitória de Trump?

Stefanie Silveira
5 min readNov 9, 2016

O mundo acordou hoje chocado com a vitória de Donald Trump para a presidência dos Estados Unidos. No entanto, é preciso reformular esta frase. O seu mundo acordou chocado. A sua timeline e os seus veículos de comunicação democratas. O fator “bolha informativa” ganha um espaço cada vez maior no ciclo de decisões dentro da democracia e estamos falhando em levá-lo em conta e tomar alguma decisão com relação a isso.

A sociedade passou por transformações profundas nos últimos anos. As instituições tradicionais já não são representativas de boa parte dos nossos interesses. Igreja, Estado, Universidades, entre outros tantos não sabem para onde estamos caminhando.

No Brasil, temos um movimento onde os votos nulos superam o total de votos obtidos pelos candidatos vencedores nas eleições. Isso parece um recado onde as pessoas dizem: “nenhum candidato me representa”, mas a mensagem, no entanto, é mais ampla. É o sistema político que já não representa uma significativa parcela da população.

Ao mesmo tempo, outra parte da sociedade não se sente representada pelos candidatos mais progressistas. Fazem parte de um grupo mais conservador (sem negativismo neste conceito), pois não se enxergam nesta sociedade onde os direitos são ampliados a partes minoritárias, onde o acesso também é aberto a quem antes ficava fora do alcance da vista, onde privilégios antes comuns tornam-se escassos.

O problema surge quando a mídia não consegue dar conta de todos estes elementos. As minorias não estão representadas, os progressistas também não e muito menos os conservadores.

A imprensa falha em compreender e iluminar estes grupos para conhecimento de todos e é desta maneira que The New York Times, The Guardian e Washington Post conseguem falhar tão fortemente em prever quem será o próximo presidente dos EUA.

Enquanto a mídia corre perdida de um lado para outro sem entender muito bem o que está acontecendo, a internet borbulha de sites, blogs e fan pages com conteúdo falso, racista ou extremista. Este material, que antes circulava limitadamente por poucos canais, ganha o espaço da internet e o poder de igualdade oferecido pelos algoritmos.

Google e Facebook não fazem distinção de conteúdos por preceitos éticos, veracidade ou objetividade.

Ambos valorizam os conteúdos que são mais compartilhados. É uma bola de neve. Se um boato ganha força, a tendência é que ele vá ganhar mais e mais força, cada vez mais. Quando uma nova informação tentar desfazer a confusão da mentira inicial, ela já entra em desvantagem no jogo dos rankings coordenados por algoritmos.

Da mesma forma funcionam as timelines das pessoas em suas redes sociais online. O tal efeito “bolha informativa” que comentei no início do texto é o responsável pelo fato de as pessoas não entenderem como Trump, Doria e Crivella ganharam as eleições. No entanto, este é o reflexo de uma pequena bolha individual. Há outras, tão grandes quanto ou ainda maiores, onde a vitória destes candidatos é clara e evidente.

Um caso muito representativo disso ocorreu no Brasil quando o cantor sertanejo Cristiano Araújo morreu num acidente de carro. A comoção na rede foi gigantesca. Os sites de notícia bateram recordes de acesso de pessoas buscando informações sobre o acidente do cantor. Algumas das notícias sobre o caso são, até hoje, as mais lidas em determinados veículos. Ao mesmo tempo que isso ocorria, uma outra parte da rede se perguntava: quem é Cristiano Araújo? Porque simplesmente nunca tinha ouvido falar no sujeito.

O mundo é plural. A internet abriu caminhos para que todas as "pluralidades" pudessem construir seus espaços e compartilhar seus conteúdos. O problema é que uma realidade não enxerga a outra. Estamos fechados em tribos que se creem sozinhas no mundo e os algoritmos têm funcionado apenas para fortalecer e engrandecer este problema.

Até pouco tempo, o Facebook mantinha um grupo de profissionais, muitos deles jornalistas, trabalhando na equipe que filtrava os Trending Topics da plataforma. Após acusações de que esta equipe privilegiaria determinados conteúdos, a empresa decidiu demitir todo mundo e deixar o controle dos tópicos mais relevantes da plataforma aos cuidados somente dos algoritmos, o que já rendeu uma série de histórias falsas entre as mais lidas na rede.

O mesmo ocorre com o Twitter. Os Trending Topics são os assuntos mais comentados, não importa se verdadeiros, se compostos por boatos, se relevantes ou não. Algo que é muito comentado tende a ser continuamente alimentado por este sistema.

Qual a ética dos algoritmos? Qual a ética dos jornalistas dentro deste contexto? A quem vamos recorrer para curar nossas informações?

Alguns dos primeiros teóricos a falarem sobre internet e web preconizavam a rede enquanto bastião dum futuro plenamente democrático, onde todos teríamos voz, onde todos poderíamos nos expressar e onde a informação circularia livremente. Uma democracia em seu mais puro sentido. No entanto, com o andar da carruagem vale perguntar, estamos prontos para este mundo onde todos têm voz, mas um não ouve o outro?

Quando todo mundo fala, como eu posso saber a quem devo ouvir? É correto deixar essa decisão na mão de um conjunto de códigos de programação?

Perceba, não é fácil consumir conteúdo jornalístico. Pegue um jornal de hoje e me diga se você entende 100% do que está escrito no caderno de política e de economia? É claro que não. Agora imagine o que ocorre com a população menos preparada, desprovida de educação formal, com pouca leitura e acesso ao conhecimento? Você acha realmente que elas vão parar para ler o editorial do jornal de hoje?

No entanto, esta mesma população que antes acabava consumindo apenas o lixo da programação popular da TV aberta, agora pode recorrer ao lixo que circula livremente pela internet e que é reforçado por algoritmos que valorizam apenas o acesso como critério de seleção.

A mídia é consumida por uma elite intelectual. Quando esta informação, supostamente checada e objetiva, está em pé de igualdade de acesso com uma pobremente trabalhada, mas repleta de adjetivos e texto fácil, chamativo (clickbait), polêmico, qual ganha?

Pensando com a minha face apocalíptica e fã de ficção científica, é como se estivéssemos vendo o começo da dominação das máquinas que culminou na Matrix. Primeiro, elas vão nos destruir internamente, fazendo com que nossa democracia seja implodida por dentro, sem percebermos sua interferência. Depois pouco a pouco, vão nos oferecer um mundo de ilusão onde voltaremos a viver o “american dream” ainda que de mentira.

Já passou da hora das empresas de tecnologia se posicionarem enquanto empresas de mídia e se colocarem como responsáveis dentro do processo democrático. Enquanto a gente acha que Facebook é só marketing digital, likes, engajamento e trabalho para publicitários, o mundo vai desmoronando ao nosso lado e o jornalismo, pilar tão fundamental para a política, vai se acabando em listas de cachorrinhos fofinhos.

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