Nem só de notícia falsa se faz uma eleição

Stefanie Silveira
4 min readNov 28, 2016

A polêmica das notícias falsas segue com força total após a eleição de Donald Trump. Vale lembrar que esse assunto não é novo. Nós, pesquisadores, falamos dele há tempos. Ainda em agosto, o repórter John Herrman, do New York Times, escreveu essa reportagem sobre a máquina política do Facebook.

É a partir desta ideia de máquina política que chamo a atenção para um lado que está ficando um pouco esquecido nesta discussão. O Facebook é uma plataforma que permite formas de atuação muito diversificadas e não podemos focar somente na propagação de conteúdo falso. Há outra questão tão importante quanto e, talvez, tão relevante quanto, para o resultado das eleições: a manipulação de dados.

De acordo com a MIT Technology Review, 20% de todos os tweets relacionados a eleições vinham de robôs programados para publicar determinados conteúdos. Este estudo, publicado na First Monday, revela que os ‘bots’ de mídias sociais podem afetar efetivamente a discussão política na rede, principalmente, para um posicionamento mais negativo e polarizador do que para ampliação do debate.

A pesquisa analisou 20 milhões de tweets postados entre 16 de setembro e 21 de outubro e concluiu que cerca de 400 mil robôs estavam engajados nas conversações online e foram responsáveis por 3,8 milhões de tweets, cerca de 1/5 da conversação.

Segundo os pesquisadores, a presença de bots na discussão política pode criar três questões principais: a) a influência pode ser redistribuída entre constas suspeitas que podem operar com objetivos escusos; b) a conversação se torna polarizada; e, c) a vitalização de informações falsas e não verificadas pode ser aumentada.

Ou seja, não é somente a existência de notícias falsas que gera problemas no debate político, mas o uso desse tipo de informação de maneira discutível por robôs programados para espalhar esse conteúdo. Aqui, já não estamos mais falando dos algoritmos que determinam resultados de busca ou timelines, estamos falando de bots/robôs/algoritmos que usam a análise e a manipulação de dados para fins bem específicos.

Os resultados apontam que cerca de 75% dos bots analisados propagavam conteúdo para Donald Trump. Além disso, estes robôs não eram capazes apenas de replicar conteúdo, mas também de interagir com usuários da rede, como os bots de notícias mais recentes, por exemplo. Segundo os pesquisadores, esses robôs são capazes de “clonar o comportamento humano”.

De acordo com o diretor digital da campanha eleitoral de Trump, 90 milhões de dólares foram investidos diretamente em propaganda digital, a maioria para o Facebook. “Facebook e Twitter são as razões pelas quais ganhamos”, diz ele para a revista Wired.

A partir dos dados de audiência oferecidos pela plataforma, a equipe de campanha podia destinar seus esforços para os usuários mais engajados nos conteúdos que eles desejavam propagar. Segundo a Wired, a equipe era capaz de testar de 40 mil a 50 mil formatos diferentes de anúncio diariamente na rede, sempre analisando estatisticamente o que era mais favorável.

Para a revista, fica claro que com notícias falsas ou sem notícias falsas, o fato é que o Facebook foi sim extremamente relevante para o resultado eleitoral.

Outra pesquisa publicada pela Universidade de Oxford também conclui que um “exército de robôs pró-Trump” superou a investida digital de Clinton. Segundo os pesquisadores, a principal tática era confundir as pessoas e modificar discussões, principalmente com o uso de notícias falsas, mas também com memes e imagens fabricadas.

A pesquisa afirma que as postagens automatizadas pró-Trump superaram em cinco vezes o mesmo tipo de mensagem pró-Hillary. Entre cerca de 19 milhões de tweets avaliados na última semana de campanha, 55% eram pró-Trump e 19% pró-Hillary.

Segundo os mesmos pesquisadores de Oxford, o uso de bots políticos também desempenhou um papel importantíssimo na votação que decidiu pelo Brexit na Inglaterra. Para identificar esse tipo de ação eles utilizam o termo “propaganda computacional”.

Um dos pontos que precisa ser esclarecido é que este “trabalho” feito pelos robôs é comprado de empresas ou programadores que vendem este tipo de “estratégia”. Isso significa que há um mercado focado em manipular pessoas e opiniões a partir da propagação de mentiras por falsos usuários de redes sociais.

Obviamente, o mercado da propaganda não é novo, no entanto, com a abertura de novos caminhos e possibilidades ele ganha novas feições e também outro tipo de força. Da mesma forma, este tipo de estratégia pode ser utilizado para qualquer fim, o eleitoral é apenas um, podem ainda ser empresas limpando suas imagens, pesquisas que inocentam produtos ou remédios de algum problema…

O site de uma das empresas que oferecem este tipo de serviço apresenta alguns textos no mínimo curiosos.

“Para influenciar um grupo de pessoas é importante entender a dinâmica que controla suas interações uns com os outros e identificar líderes de opinião e influenciadores de comportamento”.

“Nós temos uma extensa experiência em desenvolver e entregar timelines para mensagens estratégicas centrais. Nós sabemos quando colocar a mensagem certa na frente da pessoa certa”.

Ao que tudo indica, enquanto tentamos explicar o que está acontecendo, algumas empresas já entenderam muito bem o funcionamento das redes.

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